Este texto é uma tradução do francês, e foi publicado em inglês na Libertarian Communist Review, n. 2, 1976. É uma excelente discussão sobre Bakunin, seu método e seus pontos de vista sobre questões como a dupla organização e a tomada do poder. Por isso, merece mais exposição aos militantes contemporâneos.
Introdução Original (LCR, 1976).
O texto a seguir é uma tradução do francês. Foi publicado no Solidarite Ouvrière, o jornal mensal da Alliance Syndicaliste Revolutionnaire et Anarcho-syndicaliste. Temos muitas críticas ao sindicalismo, e isso inclui a sua variante anarco-sindicalista.
No entanto, o ASRAS, em sua reavaliação do movimento libertário, seu compromisso com a política das classes revolucionárias e uma dialética materialista, representa um dos grupos libertários mais valorosos e progressistas da França, juntamente com a Organisation Cominuniste Libertaire e o Collectif pour un Union des Travailleurs Communiste Libertaire.
As futuras edições da LCR irão conter críticas ao anarco-sindicalismo.
Introdução do CDA-PI
É com orgulho que o Círculo de Debates Anarquistas Piauiense lança mão e deixa pública sua primeira colaboração no nível de tradução para os sinceros militantes anarquistas.
Recolhemos estes texto do site
Anarkismo.net, na tentativa de apontar uma dupla realidade: A) A perspectiva de que o bakuninismo não é uma novidade ou invenção estéril e artificial, mas que forja, desde sua gênese, uma análise da realidade baseada em uma dialética dinâmica e em um materialismo que considera todos os fenômenos reais importantes para a constituição do indivíduo e das sociedades, um
materialismo sociológico. B) A crítica intrínseca do escrito, levando em consideração as vacilações teóricas e metodológicas do anarquismo após a morte de Mikhail Bakunin.
Além disso, é preciso avaliar historicamente o momento em que o texto foi escrito, fazendo o exercício de perceber na a atualidade as análises, notando suas continuidades e rupturas na realidade material, e em especial, a conjuntura do anarquismo brasileiro. Para auxiliar a leitura desta forma, inserimos em alguns momentos do texto nossas considerações entre colchetes.
Esperamos que o conteúdo desta obra leve a outros militantes ponderarem e questionarem suas próprias ações e decisões, reaproximando-se do anarquismo as suas principais aspirações, sendo também coerente a nível teórico e em sua ação política.
Julgamos que recuperar o bakuninismo enquanto mecanismo de concepção da realidade é recuperar o anarquismo revolucionário, o anarquismo de antes do desmonte da Comuna de Paris, e que aflorou em determinadas organizações ao longo do tempo devido as contradições inerentes do "movimento anarquista" da época. Na perspectiva da Plataforma Organizacional da União Geral dos Anarquistas, “(...) já é tempo de o anarquismo sair do pântano da desorganização, colocar um ponto final nas infindáveis vacilações sobre as questões teóricas e táticas mais importantes, e caminhar resolutamente para o objetivo claramente identificado e realizar uma prática coletivamente organizada”.
BAKUNIN VIVE E VENCERÁ!
VIVA O ANARQUISMO REVOLUCIONÁRIO!
PELA CAUSA DO POVO!
Esclarecendo os erros sobre Mikhail Bakunin
Na véspera do centenário de Bakunin, o retorno de todas as imbecilidades brutas que foram ditas sobre Bakunin exige um trabalho considerável. Sem hesitação, o prêmio de falsificação vai para Jacques Duclos, o ex-chefe do PCF, que dedicou um enorme livro de várias centenas de páginas para discutir a relação entre Marx e Bakunin, que é uma obra de ficção. Agora é tempo de compilar um catálogo de falsificações que cercam Bakunin. Porque, se Duclos detém - com o próprio Marx - o triste privilégio do pensamento de Bakunin, os anarquistas são incomparáveis em serem seus maiores falsificadores inconscientes. Das coisas em comum que os dois líderes da Primeira Internacional tem, a mais importante é, talvez, que seus pensamentos foram deturpados de forma idêntica pelos seus próprios discípulos. Desejamos aqui seguir a análise do desenvolvimento desta deturpação de posições de Bakunin. Posteriormente, explicaremos o que acreditamos ser a sua verdadeira teoria da ação revolucionária.
Bakunin se movimentou continuamente entre a ação de massa do proletariado e da ação das minorias revolucionárias organizadas. Nenhum destes dois aspectos da luta contra o capitalismo pode ser separado: No entanto, o movimento anarquista após a morte de Bakunin dividiu-se em duas tendências que enfatizavam um dos dois pontos, enquanto negligenciava o outro. O mesmo fenômeno pode ser encontrado no movimento marxista com os socialdemocratas reformistas na Alemanha e os socialdemocratas jacobinos radicais na Rússia.
No movimento anarquista [francês das décadas de 60/70], uma corrente defende o desenvolvimento da organização de massas, agindo exclusivamente no âmbito das estruturas da classe trabalhadora, e chega a um estado de apoliticismo completamente estranho às ideias de Bakunin; outra corrente recusa o próprio princípio da organização, vendo neste o início da burocracia: Favorecem a criação de grupos de afinidade dentro do qual a iniciativa revolucionária individual e a ação de exemplo irão facilitar a passagem sem transição para uma sociedade comunista ideal, onde todos produzirão de acordo com seu o seu/sua capacidade e vão consumir de acordo com seu/sua necessidade: Trabalho alegre e consumo a partir da loja comum.
A primeira corrente defende a ação da massa de trabalhadores dentro de uma organização estruturada, a coletivização dos meios de produção e a organização destes em um todo coerente, assim como a preparação dos trabalhadores para a transformação social.
A segunda corrente recusou totalmente a autoridade e a disciplina da organização; taticamente isso é visto como tolerância com o capitalismo. Essa corrente se define de uma forma essencialmente negativa: Contra a autoridade, hierarquia, poder e ação legal. Seu programa político é baseado no conceito de autonomia comunal, diretamente inspirado em Kropotkin, em particular “A Conquista do Pão”. Esta corrente triunfou no Congresso da CNT em Zaragoza em 1936, cujas resoluções expressaram incompreensão dos mecanismos econômicos da sociedade e desprezo pela realidade econômica e social. O Congresso desenvolveu no seu relatório final “O conceito confederal de comunismo libertário”, fundada no modelo de planos organizacionais da sociedade futura que floresceu na literatura socialista do século XIX. A fundação da sociedade do futuro é a comuna livre. Cada comuna é livre para fazer o que desejar. Aquelas que se recusam a serem integradas fora dos acordos de “convivência coletiva” com a sociedade industrial poderiam, “escolher outros modos de vida em comum, como por exemplo, os de naturalistas e dos nudistas, ou teriam o direito de ter uma administração autônoma fora dos acordos gerais”.
Na linguagem de hoje, pode-se dizer que os seguidores de Bakunin podem ser divididos em um “desvio de direita” que é o tradicional anarco-sindicalismo, e um “desvio de esquerda” que é o anarquismo. O primeiro enfatiza a ação de massa, organização econômica e metodologia. A segunda paira sobre os objetivos. “O programa” é bastante independente da realidade imediata. E cada uma dessas correntes reivindica para si - com muita frequência - Bakunin.
Distinguimos quatro principais deturpações do pensamento de Bakunin:
Espontaneísmo
De vez em quando, Bakunin parece cantar os louvores da espontaneidade das massas; em outros momentos, ele afirma a necessidade de uma orientação política das massas. Em geral os anarquistas têm se agarrado ao primeiro aspecto de seu pensamento, e abandonado completamente o segundo. Na realidade, Bakunin disse que o que as massas careciam para emanciparem-se era a organização e a ciência, “precisamente as duas coisas que constituem agora, e sempre constituíram o poder dos governos” (O Protesto da Aliança). “No momento de uma grande crise política e econômica, quando o instinto das massas, muito inflamado, se abre para toda a inspiração feliz, em que esses rebanhos de escravos manipulados, esmagados, mas nunca conformados, rebelam-se contra o jugo, mas sentem-se desorientados e sem poder, porque eles são completamente desorganizados, dez, vinte ou trinta homens, bem intencionados e bem organizados entre si, e que sabem para onde estão indo e o que querem, podem facilmente arrastar com eles uma centena, duas centenas, três centenas ou até mais” (Oeuvres, 6, 90).
Mais tarde, diz ele, da mesma forma, que, a fim de que a minoria de AIT possa levar com eles a maioria, é necessário que cada membro deva ser bem versado nos princípios da Internacional.
“É somente nestas condições”, ele diz “que em tempos de paz e calma, eles serão capazes de cumprir eficazmente a missão de agitação e propaganda, e em tempos de combate, a de líderes revolucionários”.
O instrumento para o desenvolvimento das ideias de Bakunin foi a Aliança da Democracia Socialista. Sua missão era selecionar quadros revolucionários para orientar organizações de massa, ou criá-las onde elas não existissem. Era um agrupamento ideologicamente coerente.
“É uma sociedade secreta, formada no coração da Internacional, para dar-lhe uma organização revolucionária, e transformá-la, assim como todas as massas populares fora dela, em uma força suficientemente organizada para aniquilar a reação política, clerical, burguesa, para destruir todas as instituições religiosas, políticas, judiciais dos Estados”.
É difícil ver espontaneísmo aqui. Bakunin disse apenas que a minoria revolucionária deve agir dentro da massa, mas não deve substituir as massas.
Em última análise, são sempre as próprias massas que devem agir por conta própria. Os militantes revolucionários devem impulsionar os trabalhadores em direção à organização, e quando as circunstâncias o exigirem, eles não devem hesitar em assumir a liderança. Esta ideia contrasta singularmente com o que posteriormente se tornou o anarquismo.
Assim, em 1905, quando o anarquista Voline foi pressionado pelos trabalhadores russos insurgentes para assumir a presidência do Soviet de São Petersburgo, ele recusou porque “ele não era trabalhador” e para não abraçar autoridade. Finalmente, a presidência caiu para Trotsky, depois de Nossar, o primeiro presidente, que foi detido.
...”O socialismo só tem existência real no impulso revolucionário, na vontade coletiva e nas próprias organizações de massas da classe trabalhadora - e quando esse impulso, essa vontade, essa organização, fica aquém, os melhores livros do mundo não são nada, somente teorias em um vácuo, sonhos impotentes”.
O repúdio à autoridade
Os bakuninistas chamavam a si mesmos de “antiautoritários”. A confusão que surgiu como resultado do uso desta palavra tem se estendido desde a morte de Bakunin. Autoritário na linguagem da época significava burocrático. Os antiautoritários eram simplesmente anti-burocráticos, contra a tendência marxista.
A questão então não era de bons costumes ou caráter e atitude ante a autoridade, influenciadas pelo temperamento. Era numa perspectiva política. Instrumentos antiautoritários eram “democráticos”. Esta última palavra existia na época, mas com um significado diferente.
Menos de um século após a Revolução Francesa, que descreveu as práticas políticas da burguesia. Eram os burgueses que eram “democratas”.
Quando foi aplicada ao movimento da classe trabalhadora, a palavra 'democrata' foi acompanhada por “social” ou “socialista”, como em “socialdemocrata”. O trabalhador que era um “democrata” era também um “socialdemocrata” ou antiautoritário.
Mais tarde democracia e o proletariado foram associados na expressão “democracia proletária”.
A tendência antiautoritária da Internacional se mostrou a favor da democracia proletária, e a tendência qualificada como autoritária, a centralização burocrática.
Mas Bakunin estava longe de se opor a toda autoridade. Sua tendência permitia o poder se vier diretamente do proletariado, e que fosse controlado por ele. Opôs-se ao governo revolucionário de tipo jacobino através do poder da insurreição operária através da organização da classe trabalhadora.
Estritamente falando, isto não é uma forma de poder político, mas de poder social.
Após a morte de Bakunin, os anarquistas rejeitaram a ideia de poder. Eles só se referem aos escritos que eram críticos do poder, e defendiam uma espécie de metafísica antiautoritária. Eles abandonaram o método de análise que veio a partir dos fatos reais. Abandonaram tão longe quanto o fundamento da teoria bakuninista baseada no materialismo e na análise histórica. E com isso abandonaram o campo de luta de classes em favor de uma forma particular de liberalismo radical.
O movimento de classe
A estratégia política de Bakunin não se separou de sua teoria as relações entre as classes. Isto deve ser estabelecido uma vez por todas.
Quando o proletariado encontrava-se fraco, ele desaconselhou a luta indiscriminada contra todas as frações da burguesia.
Do ponto de vista da luta da classe trabalhadora, nem todos os regimes políticos são equivalentes. Não é uma questão de indiferença se a luta é contra o regime ditatorial de Bismark ou o Czar, ou contra uma democracia parlamentarista.
“A mais imperfeita das repúblicas é mil vezes melhor que a monarquia mais iluminada”.
Em 1870, Bakunin recomendou o uso da reação patriótica do proletariado francês e sua conversão em guerra revolucionária. Em suas “Cartas a um francês”, faz uma análise notável sobre as relações entre as diferentes frações da burguesia e da classe trabalhadora, e desenvolve com alguns meses de antecipação e profeticamente, o que iria ser a Comuna de Paris.
Uma leitura cuidadosa de Bakunin demonstra que toda sua obra consistiu na investigação constante, as relações que pudessem existir entre as frações que compõem a classe dominante e sua oposição com o proletariado. Sua estratégia para o movimento operário está intimamente ligada às análises destas relações.
Em nenhum caso pode ser abstraído o momento histórico em que estas relações tiveram lugar. Em outras palavras, nem todos os tempos estão maduros para a Revolução, e um conhecimento detalhado da relação de forças entre burguesia e a classe operária lhe permite, ao mesmo tempo, não perder ocasiões adequadas e evitar cometer erros trágicos.
Sucessores de Bakunin pensaram, por um lado, que existia entre a burguesia e o proletariado uma espécie de relação imutável e constante; por outro lado, que a relação entre as classes não poderia de modo algum entrar no esquema das coisas para determinar a ação revolucionária. No primeiro caso, eles adotaram certo número de princípios básicos que foram considerados essenciais, e deram a si mesmos o objetivo de colocá-los em prática em algum momento ou outro, no futuro, sejam quais forem as circunstâncias do momento.
Assim, o informe da Conferência de Zaragoza aqui já mencionado poderia ter sido escrito em qualquer período. Encontra-se absolutamente fora de um recorte temporal.
Na véspera da Guerra Civil Espanhola, em relação aos problemas militares, a agitação no coração do exército, se tratou com uma frase: “Milhares de trabalhadores já passaram pelo quartel, e estão familiarizados com a guerra revolucionária moderna”.
No segundo caso, se pensava que as relações de poder entre as classes não eram importantes, e considerando como o proletariado deve atuar de forma espontânea. Elas não estão relacionadas a qualquer determinismo social, mas, pelo contrário, aos perigos da ação exemplar. Todo o problema reside então na criação do detonador certo.
A história do movimento anarquista está cheio de ações sensacionais, que eram inúteis e sangrentas. Na esperança de nutrir a Revolução, atacaram a prefeitura às dúzias: Fizeram discursos, proclamaram - muitas vezes em um ambiente de completa indiferença - sobre o comunismo libertário. Queimaram arquivos locais enquanto esperavam a polícia chegar.
“Participacionismo” ou voluntarismo
Em ambos os casos a referência feita à Bakunin é um insulto. Muitas vezes, o movimento libertário substituiu o método científico de análise das relações entre classes por encantamentos mágicos. A natureza científica e sociológica de análise bakuninista das relações sociais e da ação política foi completamente rejeitada pelo movimento libertário.
O fracasso intelectual do movimento libertário pode ser percebido nas acusações de “marxismo” sempre que se busca introduzir a mínima noção de método científico na análise política.
Por exemplo, Malatesta disse: “Hoje, me parece que Bakunin foi na economia política e na interpretação histórica, muito marxista, me parece que sua filosofia debate sem possibilidade de resolução, a contradição entre sua concepção mecânica do universo e de sua fé, na efetividade do livre-arbítrio nos destinos do homem e do universo”.
A “concepção mecânica do Universo”, que está na mente de Malatesta, é o método dialético que faz do mundo social um todo em movimento, sobre o qual se pode determinar leis gerais da evolução. “A eficácia do livre-arbítrio” é uma ação revolucionária voluntarista. O problema pode, portanto, ser reduzido para a relação entre a ação de massa na sociedade e na ação das minorias revolucionárias.
Malatesta é incapaz de compreender a relação de interdependência que existe entre a humanidade e meio ambiente, entre o determinismo social da raça humana e sua capacidade de transformar o ambiente.
O indivíduo não pode ser separado do ambiente em que ele/ela vive. Mesmo que o indivíduo seja largamente determinado pelo ambiente, ele/ela pode agir sobre ele e modificá-lo, sempre e quando o trabalho o leva a entender as leis ou o desenvolvimento.
Conclusão
A ação da classe trabalhadora deve ser a síntese do entendimento da “mecânica do Universo” - a mecânica da sociedade - e “a eficácia do livre-arbítrio” - ação revolucionária consciente. Aí reside o fundamento da teoria da ação revolucionária de Bakunin.
Dois Bakunins não existem - um libertário, antiautoritário e que glorifica a ação espontânea das massas; o outro 'marxista', autoritário, que defende a organização da vanguarda.
Há apenas um Bakunin, que se aplica a diferentes circunstâncias diversas vezes em princípios de ação decorrentes de uma compreensão lúcida da dialética entre as massas e as minorias revolucionárias avançadas.
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